Por falta d’água perdi meu gado     

       

Na cidade cinza, de repente, começa um surto de cidades litorâneas e ensolaradas: a dengue. Então, como era ano eleitoral, o prefeito da cidade resolveu fazer um pacto com um demônio desses que você encontra em bar de beira de estrada.

-Olha, é o seguinte, eu entrego minha alma limpinha e embrulhada se você der um jeito nesse negócio de dengue antes das eleições.

-Posso fazer do meu jeito? Sem reclamações? Não vai vir com nota fiscal pra troca depois, né? Odeio quando tentam me enganar com essa.  

– OK, tudo do seu jeito sem reclamações. Onde eu assino?

– Espera meu amigo, que eu ainda tenho muito trabalho pela frente e preciso de uma caninha antes. Salta uma pinguinha com mel, amigão. – disse o demônio, se direcionando a um homem de avental no bar.Um copo meio sujo de pinga veio e ele começou a beber.

-Cuidado com o fígado, bicho ruim.

– Esse é meu quarto rim, de uma das almas que eu coleciono. Era de um dono que tinha um camelô e quis uma emissora de TV, gente boa o cara.

– Tá bem, entendi, antes que você me meta medo e me faça desistir, me deixa assinar isso logo. Faz a tua mágica. 

O demônio pega uma pasta debaixo da cadeira e retira uma caneta bic e um papel cheio de letras miúdas, um contrato de verdade. Coloca uns óculos redondos e aponta com a caneta onde ele deveria assinar.

– Ué? Cadê o fogo, a assinatura com as unhas, a música sombria? Tu já foi mais glamoroso, rapaz.

– Ah, isso é coisa do meu irmão, que gosta de ficar se exibindo. Não tenho tempo pra essas coisas, só quero poder beber sempre sem nenhum problema de saúde e dormir todo dia em rede sem dor nas costas.

O prefeito, visivelmente decepcionado, pega a caneta das mãos do demônio e assina todos os locais marcados.

– E agora? – pergunta o prefeito.

– Agora tu vai pros teus afazeres de prefeito e espera. O sinal virá.

Algumas semanas depois, o prefeito estava fulo da vida.

“Demônio de araque me roubou a alma, me fez pagar uma pinga pra ele e nem resolveu meu problema.” Ele murmurava, quando, para se distrair, resolve olhar para a TV e ouve a notícia principal: O reservatório de Maracutaia, que abastece a cidade, está diminuindo drasticamente por falta de chuva. A previsão é que a cidade tenha racionamento dentro de alguns dias. Tentamos falar com o prefeito sobre o assunto, mas não obtivemos êxito.

Depois de desligar a TV, inconformado com o que ouvira, sentiu um cheiro de álcool com mel e entendeu tudo. Foi para o bar de beira de estrada e o demônio estava lá sentado tranquilamente bebendo no que parecia o mesmo copo sujo.

O prefeito chegou dando tapa na mesa, quase derrubando o copo do demônio.

-Mas tu quer me fuder, o que foi aquilo?

– Eu te disse que ia fazer do meu jeito. A dengue não se propaga pela água acumulada nos lugares? Pronto não tem mais água, usei a lógica.

-MAS O QUÊ?- gritou ele possesso- assim não vou me reeleger, qual é a sua?

– Se fosse pra reeleger era só pedir pra ser reeleito, bobeou dançou colega. O mundo é dos espertos. Agora me vou, que tenho uma reuniãozinha na cidade maravilha com outros da tua laia. Ah, e sinto informar, já levei a alma da outra candidata pela eleição dela. Mas fica firme, que daqui a uns anos a gente pode negociar a alma de outras pessoas. Até a próxima.

 

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